quinta-feira, 19 de maio de 2011

Ética e comunicação


A comunicação não está isenta das preocupações éticas. Isso porque a comunicação, por seus meios, técnicas, canais e processos, possui ampla capacidade de dispersão de idéias, informações, conceitos, sendo capaz de movimentar culturas. Isso tem valor, sobretudo, para civilizações marcadas pela ascensão da mass media e pelos processos de aculturação das massas pelas formas televisivas, jornalísticas, radiofônicas, informáticas e internéticas de difusão de informações e conhecimentos. A comunicação, enfim, nunca foi tão importante na constituição da mediação entre os indivíduos em sociedade. Também, nunca foi tão importante a presença da ética na comunicação.

As maiores acusações contra a mass media são apresentadas e apontadas por Umberto Eco:

a) basta-se com o gosto médio do público heterogêneo ao qual se refere;

b) proporciona a homogeneização da cultura universal;

c) manipula o auditório ao qual se dirige, em função de ser inconsciente dos processos aos quais está sendo submetido;

d) conserva o que é de maior difusão, mantendo os valores sociais de maior aceitação passada e atravancando a originalidade;

e) usa meios sonoros e plásticos não de sugerir valores, mas de impô-los e subliminarmente torná-los necessários;

f) funciona na base do sistema de oferta e procura, atendendo a demandas econômicas e marqueteiras;

g) sintetiza a cultura superior e institui a condensação formular que impede o desenvolvimento do raciocínio;

h) equipara produtos de diversos gêneros e culturas de diversos escalões num tabuleiro de igualdades indiferentes;

i) estimula a consciência acrítica e a aceitação de valores e imagens;

j) renega a consciência histórica com o passado, enfocando somente questões do presente;

k) não desperta a atenção de aprofundamento, mas somente a de superfície;

l) padroniza gostos, ícones e símbolos coletivos e universais, em detrimento da individualidade;

m) adota e assimila a opinião comum, geral, a consciência aceita sobre fatos e acontecimentos;

n) forma modelos oficiais da cultura, entroniza umas coisas e marginaliza outras;

o) dissemina uma cultura que não nasce de baixo para cima, mas de cima para baixo, crestando toda a naturalidade do processo de produção e reprodução de valores.

Isto não a torna a vilã social, ou a semente da destruição plantada por mentes diabólicas. Seus erros e suas restrições são passíveis de correção e reajustamento, sobretudo levando-se em consideração que a mass media não pode estar a serviço da arbitrariedade. A não-arbitrariedade é um dever para os meios de comunicação. Esse dever possui dupla natureza: ética e jurídica.

Mas, quando todo tipo de meio de comunicação social aparece transfigurado e servilizado aos modos mercantis de estimular o consumo e a reprodução de bens econômicos, quando multidões aplaudem (por índices do IBOPE), em horário nobre, os escândalos familiares, as chantagens, os rumores sexuais, a desmoralização de instituições sociais, a violência disentérica dos atentados e assassínios (narrados e filmados em minúcias), a disseminação da exploração da imagem alheia, fatos sensacionalistas e de aterradora natureza reproduzidos pelos canais televisivos de comunicação... há sintomas de perda de significado e de banalização da cultura real da comunicação.

Neste momento, sente-se a necessidade, ou seja, passa-se a demandar a intervenção do direito na regulamentação da liberdade de imprensa, nos processos de dispersão de idéias, nas formas de se conceber e disseminar conhecimentos desde que a própria liberdade de co-existência digna em sociedade é atingida pelo aviltamento dos meios de comunicação. Formam-se exigências as mais diversas no sentido da implementação de códigos disciplinares e éticos, não por outro motivo senão aquele segundo o qual se deseja um processo e divulgação de informações e idéias que não firam valores ainda maiores que os contidos no direito de se comunicar e de informar.

Quer-se dizer que, deixando de simplesmente comunicar e informar, a mass media passa a atender a pressões externas, abandonando simplesmente a ética em nome de outros interesses, faz-se mister a intervenção de expedientes jurídicos para coibir abusos no exercício da liberdade de expressão (exploração da miséria humana; exposição pública ao ridículo de pessoa humana; manipulação de informações; uso da imagem do menor infrator; prática de atestado moral à personalidade humana; exposição de filmes pornográficos e imagens eróticas em horários inconvenientes para públicos inconvenientes...).

Seja através de medidas judiciais cabíveis, seja através da elaboração de normas jurídicas aplicáveis ao setor, o que se percebe é que quando a liberdade cultural, de pensamento e de imprensa, se choca com interesses sociais ainda maiores, torna-se necessário disciplinar a liberdade para que não se converta em libertinagem.

Tudo isso é muito diferente se se pensar em constranger ou cassar o direito à livre expressão, garantido constitucionalmente (incisos IV, IX, XXVII e XXVIII do art. 5 da CF 88). Nem a censura nem a castração da palavra são soluções plausíveis. O que se quer dizer ao se mencionar a necessidade de instituir a disciplina dos meios de comunicação é que o comportamento comunicacional também possui sua ética, que deve ser estudada e debatida amplamente junto à sociedade, como forma de fazer dos meios de comunicação instrumentos que efetivamente sirvam à causa social e não exclusivamente a interesses escusos.

Os processos midiáticos de disseminação de informação devem se ancorar no dever e no compromisso de formarem e de contribuírem para o desenvolvimento da cultura e da cidadania nos meios sociais. Quando esses canais passam a dar guarida à divulgação de ideologias únicas e a colaborar para os processos de expansão das formas de exploração da imagem humana e do deliberado consumismo, há que se entrever nisso uma certa distorção de fins. O que há de se garantir é que a publicidade, o marketing, a comunicação, a propaganda, o jornalismo, a arte e a expressão se exerçam com base num código ético, e não por códigos de auto-regulamentação setorial, que são, por natureza, servis às necessidades dos interesses regionais que movimentam essas áreas.

O discurso da mídia não pode ser usado da forma que se deseja, ou direcionado de acordo com este ou aquele interesse unilateral; trata-se de um instrumento de relacionamento humano que constitui valores, forma idéias, movimenta ideologias, distorce conceitos, dissemina o ódio, cancela ideais, origina o proselitismo religioso, planta a discórdia, envenena relações políticas, dissemina preconceitos... .

A mídia informa, mas também forma. É exatamente por isso que não é isenta de responsabilidades sociais, culturais, educacionais e, sobretudo, ético-jurídicas.


Fonte: Prof. Eduardo C. B. Bittar (Faculdade de Direito – USP)

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